
Alguns meses após receber o laudo, ainda em tratamento para depressão, voltei ao psiquiatra. Disse a ele que já me sentia bem dos sintomas depressivos, mas que talvez ainda precisasse lidar mais com a ansiedade.
Entreguei em suas mãos uma cópia do laudo. Depois de alguns longos minutos, ele ergueu os olhos e, como quem chega a uma grande conclusão, disse:
— Você tem a combinação de Altas Habilidades com TDAH.
Em seguida, começou a traçar um plano de tratamento bastante assertivo:
— Diante disso, eu não acho que você deva focar na ansiedade, e sim no TDAH. Existem excelentes opções para tratamento.
Fiquei desconfortável com a ideia, pois significava tomar remédio para o resto da vida. Então tentei argumentar:
— Mas, doutor, eu caminhei bem até aqui.
Foi quando ele desferiu um golpe que, se eu não tivesse minha esposa pé no chão e minha terapeuta sensata, teria me desmoronado. O médico disse:
— Mas você nunca esteve em pé de igualdade. Você não percebe porque tem Altas Habilidades, mas há coisas que o TDAH te impede de fazer — coisas que outras pessoas conseguem com tranquilidade. O remédio pode te ajudar com isso.
Saí da consulta com mil ideias na cabeça, e a que falava mais alto era:
“E se eu tomar o remédio… como serei?”
Questionei quem sou e quem eu poderia ser — com ou sem medicação. No bolso, a receita da Ritalina; na cabeça, a dúvida sobre esse tal “pé de igualdade”.
Quem é que, em sã consciência, deseja ter seu potencial tolhido por um transtorno? E mais: quem é que gostaria de jogar o jogo (da vida) em desvantagem?
Conversei com minha esposa, e ela foi contra o uso da medicação. Trouxe-me de volta ao chão, ajudando-me a lembrar que talvez o problema não seja um TDAH não tratado, e sim uma Superdotação não valorizada. Isso fez toda a diferença.
Levei o assunto para a terapia, e o “protocolo” do médico foi questionado pela minha terapeuta. Saí da sessão decidido: esquecer a Ritalina.
A verdade é que a visão do médico não está errada. Ela é verdadeira para o mundo em que vivemos — um mundo em que a alta competitividade nos faz querer ter vantagens, ou pelo menos anular desvantagens, para sobreviver e fazer parte da sociedade produtiva, ágil e cada vez mais artificializada.
A questão é que, olhando para quem sou, eu preciso viver nesse mundo, mas não quero pertencer a ele.
Não quero ser um ermitão, mas quero me conectar a um mundo divergente — aquele que não sai pela tangente, nem tenta disfarçar os perrengues. Quero me conectar a mentes arborecidas, a pessoas de coração amplo.
Eu sei que isso não é utopia. Como diz a música de Milton Nascimento:
“Pois não posso, não devo, não quero
Viver como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal”
(Bola de meia, bola de gude)
Então, se um dia eu voltar a esse psiquiatra, tenho apenas uma pergunta a fazer:
— Quem foi que te disse que eu quero viver em “pé de igualdade”?
Para, logo em seguida, eu mesmo responder:
— Não posso, não devo e não quero!
Só quero, cada vez mais, abrir espaço em minha vida para que eu mesmo, verdadeiramente, possa existir nela.
Será que faz sentido?