Alho no bolso e sentido para vida

Me dei conta de que, ao longo da minha carreira, li poucos textos existenciais, embora seja uma filosofia que me inspira e dá base para o trabalho como terapeuta.

Por um momento, me bateu um desespero do tipo:

— Nossa, preciso ler mais!

Logo em seguida, questionei meu próprio pensamento e me perguntei:

— Mas de onde vem meu olhar existencial?

Uma possível resposta talvez seja: da minha própria vivência.

Não precisei ler muito Sartre para entender que sou responsável por lidar com o que me aconteceu. Ao longo da vida, precisei atravessar muitas crises existenciais ou crises de sentido.

Tudo parecia ir tão bem, quando, de uma hora para outra, me via em dúvida sobre meu próprio caminho.

Nessas horas, uma boa cartomante é uma mão na roda.

Eu vivia me consultando com tarólogas, cartomantes, astrólogas, numerólogas e quem pudesse “ler” meu destino, me ajudar a escolher os caminhos. A sorte é que, mesmo procurando esse auxílio místico, também não deixei de lado minha própria terapia.

Certa vez, fui a uma massagista espírita — gente boníssima, mas com um hiperfoco na escassez e em dificuldades financeiras. Eu, que não estava lá tão bem das pernas, logo me identifiquei com aquele papo de que algo espiritual poderia estar me atrapalhando.

Na época, inclusive, eu conduzia grupos de meditação, e a massagista me ajudou a chegar à conclusão de que havia muita “inveja” lá dentro. De fato, acho que tinha mesmo — um punhado de pessoas se tornando terapeutas holísticos sem querer pagar o preço de cinco anos de uma faculdade de Psicologia.

Mas, voltando à massagista, ela me sugeriu algo que seria a solução dos meus problemas: carregar um dente de alho no bolso. Se funciona com vampiros, por que não funcionaria com invejosos? Achei boa ideia e assim eu fiz.

Minha esposa costuma tirar sarro dessa situação até hoje.

Obviamente, não foi a solução, mas eu precisava atribuir a algo ou a alguém a responsabilidade pelo estrume de vida que estava levando: nenhum dinheiro na conta, nenhuma satisfação profissional, no espelho um obeso de 103 kg e, por fim, uma síndrome rara de pele que me fez parar.

Eu não podia mais continuar. Aquele trabalho havia perdido o sentido para mim, e eu estava diante de mais uma crise — além das que tive que passar na infância, na adolescência e no início da vida adulta.

Talvez aquela tenha sido uma grande oportunidade de avançar no meu autoconhecimento. Aproveitei ao máximo: fechei portas, me retirei, afastei-me de pessoas — várias bloqueadas no Instagram — e comecei a buscar um novo sentido.

Só tinha uma certeza: não queria mais aquelas experiências. Muita coisa mudou de lá para cá. Hoje, me vejo realizado profissionalmente, a caminho de uma vida financeira mais feliz. Vivo um relacionamento que me nutre, no qual me sinto amparado e compreendido. Tenho amigos verdadeiros com quem posso contar.

Se tem algo que aprendi ao longo das crises foi observar quando elas estão chegando. Sinto o cheiro no ar — inclusive com meus pacientes. Ela é sempre bem-vinda, pois é uma oportunidade de transformação.

Outro dia, estava supervisionando uma psicoterapeuta e me senti inspirado a dizer algo que, no fundo, faz todo sentido para mim, diante de tudo que já vivi.

As pessoas dizem que a vida perde o sentido, que o trabalho não é mais o mesmo, que não têm mais esperança, que a relação não faz mais sentido, que tal amizade não faz mais sentido… Quantas coisas externas, não é mesmo?

O externo é importante para que eu possa ter com o que me relacionar, mas não é ele que perde o sentido. Não é minha vida que perde o sentido: eu é quem me perdi de mim mesmo.

Por isso, gosto de pensar que a busca de sentido começa pela busca de si mesmo. Nada irá se encaixar em minha vida se eu não souber do que gosto, que critérios tenho para dizer sim ou não, se eu não souber o que me faz feliz.

Enfim, talvez essa seja minha visão existencial. Talvez algum filósofo já tenha teorizado sobre tudo isso — e um dia espero poder ler sobre. Até lá, como é bom me deliciar com as crises que eu mesmo vivo e perceber que, como humano, posso sair melhor delas.

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