
Até o período de fevereiro a abril de 2025, eu não fazia ideia das características de pessoas com Altas Habilidades/Superdotação, mesmo tendo estudado superficialmente sobre o assunto na faculdade de Psicologia.
Ainda tinha uma visão limitada — aquela que a maioria da população tem: de que um superdotado é sempre um gênio e capaz de resolver tudo.
Não me dava conta de que eu era exatamente essa pessoa que vivia buscando soluções para problemas, inquieto, pensando rápido em alternativas e angustiado até ver a situação resolvida — não só as minhas, mas também as de pessoas próximas: família, pacientes, amigos.
E essa é apenas uma parte pequena da minha vivência desde que nasci até ter a identificação. Aqui, quero compartilhar um fato importante: em 2024, passei por sucessivos lutos, picos de estresse que culminaram em uma depressão. Demorei a tratar com medicação, mas, da mesma forma que chegou, ela também foi embora.
Da metade para o final do tratamento, vi um vídeo no Instagram que me chamou a atenção: uma médica falava sobre características de pessoas superdotadas — e eu me vi em praticamente todas.
A princípio, veio aquele estranhamento de me ver em algo que era óbvio, mas que não passava pela minha mente que eu poderia ser. No vídeo, ela falava da depressão como algo existencial na vida de superdotados, e aquilo ligou um alerta. Procurei uma avaliação neuropsicológica e… bingo!
No dia em que fui buscar o laudo, minha esposa perguntou:
— O que você acha que vai dar?
Respondi:
— Não estou comprando um Kinder Ovo.
Ou seja, não seria uma surpresa, apenas uma confirmação. Nesse período da avaliação, devorei livros, artigos, textos, perfis no Instagram, vídeos no YouTube — tudo para entender a superdotação. E, cada vez mais, fui me identificando.
E por falar em esposa, nesse processo o apoio dela foi fundamental, como a pessoa mais próxima, e amigos também que incentivaram buscar a avaliação. Ter a segurança de contar com pessoas que te amam, independente de qual seja o resultado, já torna muito mais leve o processo.
A princípio, meu laudo também veio com a possibilidade de uma dupla excepcionalidade: uma condição em que, junto com as Altas Habilidades, aparece também o TDAH do tipo desatento, caracterizado por uma pontuação baixa na memória de trabalho.
Isso significa que, pelo TDAH, é comum eu esquecer o celular em casa, a chave na porta, o fogo do fogão aceso; que ler uma página de livro é demorado, pois preciso voltar algumas vezes para assimilar. Mas, por conta da superdotação, consigo estar atento e modificar, com estratégias inteligentes, aquilo que é desafiador — inclusive assimilar conhecimentos, passar nas provas da faculdade, me formar, construir uma carreira.
Já havia lido que, ao receber a identificação de Altas Habilidades/Superdotação, seria libertador olhar para o passado e dar sentido às situações que vivi. Confesso que fiquei receoso de que isso despertasse em mim uma indignação, por pensar que os adultos não deram o suporte necessário à criança que fui. Mas logo me confortei, lembrando dos anos de processo terapêutico que já vivi — e que hoje eu sou o adulto que precisava ter comigo, quando criança.
Saber que sobrevivi a muitas situações me faz sentir um pouco de orgulho da pessoa que me tornei. Digo “um pouco” porque, enquanto escrevo este texto, ainda não consegui me libertar totalmente da ideia de que “não posso ser melhor que ninguém” — uma crença que aprendi logo cedo, quando minha mãe dizia:
“Não ajuste os ponteiros do seu relógio com os dos outros.”
Uma afirmação que, cá entre nós, nunca fez sentido. Afinal, o tempo cronológico é um só — e precisamos, sim, ajustar. Enfim… arborizações aqui 😄
Bom, penso que já me estendi, mas gostaria de dizer que a identificação é mesmo libertadora e traz uma boa dose de sentido e leveza. Abre espaço, principalmente, para a autocompaixão: entender que a neurodivergência é apenas um modo diferente de ser. E que eu, de fato, não preciso me ajustar para encaixar — posso ser mais gentil e amoroso comigo mesmo, sem me exigir tanto (ainda estou em processo para melhorar isso).
Espero que você, que chegou até aqui, se por acaso sente inquietação sobre sua condição, anime-se e busque ajuda. Procure um(a) profissional qualificado(a), neuropsicólogo(a), e invista em uma avaliação. A superdotação vai muito além do QI. Mas isso é assunto para outro post.
Conte comigo na sua jornada!